segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Questões primárias sobre a literatura nacional brasileira

 

          Em “Fundamentos da literatura brasileira”, de 1888, Silvio Romero aponta a penúria de trabalhos acerca da literatura nacional. Para Romero essa então realidade precária advém da também parca situação lusitana, desde a época da ligação luso-brasileira metrópole-colônia. Romero aponta que houve uma parca literatura novecentista sobre nosso estado literário, porém ausente de grande eminência.

Uma exceção Romero faz questão de citar, o livro do austríaco Ferdinand Wolf, “Le Brésil Littéraire”, de 1863, o qual para ele apresentava uma realidade imprecisa do acervo literário brasileiro, ausente de “vistas teóricas; é um produto artificial e diplomático. O tom em geral é ditirâmbico, e, entre outros, os exageros sobre o merecimento de seu principal inspirador, Gonçalves de Magalhães, provocam hoje o riso.” (ROMERO, 2001, p 57).

Silvio Romero (loc. cit.) explica a importância da tessitura de escritos sobre a história literária nacional ministrada por autores brasileiros:

A história do Brasil, como deve hoje ser compreendida, não é, conforme se julgava antigamente e era repetido pelos entusiastas lusos, a história exclusiva dos portugueses na América. Não é também, como quis de passagem supor o romanticismo, a história dos tupis, ou, segundo o sonho de alguns representantes do africanismo entre nós, a dos negros no Novo Mundo.

É antes a história da formação de um tipo novo pela ação de cinco fatores, formação sextiária em que predomina a mestiçagem. Todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias. Os operários deste fato têm sido: o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira.

Tudo quanto há contribuído para a diferenciação nacional deve ser estudo, e a medida do mérito dos escritores é este critério novo.

Tanto mais um autor ou um político tenha trabalhado para a determinação de nosso caráter nacional, quanto maior é o seu merecimento. Quem tiver sido um mero imitador português não teve ação, foi um tipo negativo.

Faltam os elementos para fazer um quadro vivaz e palpitante da vida íntima dos autores brasileiros.

 

Ademais, Romero (2001) assinala que compreender as feituras de um escritor é lograr êxito sobre seus momentos mais íntimos e individuais, bem como sobre sua relação com a nação e até com a humanidade. Percebemos que para Romero estudar a história literária de um país é ser capaz de determinar o espírito daquela nação, além de permitir com assaz agudez predizer o momento futuro desse povo. O estudioso deve

mostrar as relações de nossa vida intelectual com a história política, social e econômica da nação; será preciso deixar ver como o descobridor, o colonizador, o implantador da nova ordem de coisas, o português, em sua foi-se transformando ao contato do índio, do negro, da natureza americana, e como, ajudado por tudo isso e pelo concurso de ideias estrangeiras, se foi aparelhando o brasileiro, tal qual ele é desde já e ainda mais característico se tornará no futuro. (ibid., p. 59, grifo do autor).

 

No caso do Brasil, Romero (2001) assevera que apenas deve-se considerar os escritores aqui nascidos e os lusitanos que aqui habitaram e tiveram estima em aqui viver. O método defendido por ele deve ser “popular e étnico para explicar o nosso caráter nacional, não esquecerei o critério positivo e evolucionista da nova filosofia social, quando tratar de notar as relações do Brasil com a humanidade em geral. (ibid., p. 60, grifo do autor).

Estando em 1888, Silvio Romero aponta quatro períodos da história literária tupiniquim considerando-se manifestações extra-literárias, como fatos políticos, econômicos e científicos. O primeiro período inicia-se de 1500-1750, formado pelas obras flamengas e sedições até o período oitocentista; o segundo de 1750-1830, formado por limitado desenvolvimento próprio e surgimento da aptidão mineira; o terceiro de 1830-1870, formado pelo pensamento romântico, com a ratificação do Império e a preocupação em afastar-se da tradição lusitana através da mimética francesa; o quarto, a partir de 1970, com a suscitação crítica ao romantismo através das inspirações realistas e naturalistas, fazendo uso do positivismo filosófico e das ideias darwinistas.

Ao estabelecer limites históricos, Roncari (2002, p. 288-289) leciona que eles são estabelecidos a partir

reconhecimento de que representam o início e o fim de um momento em que a literatura adquiriu algumas características importantes. [...] O que interessa para a visão histórica são as dominantes, ou seja, como certos traços, secundários e desimportantes em alguns momentos, em outros tornaram-se decisivos e fundamentais e vice-versa.

 

          Romero e Roncari consideram que o grande evento para o ciclo romântico foi a fratura política de 7 de setembro de 1822. A independência política obrigou aos setores livres de uma sociedade ainda escravocrata indagações acerca de uma nacionalidade brasileira. Nossos literatos desse período romântico procuraram construir uma nacionalidade autônoma, segura, particular a partir da cultura indígena. A tradição ocidental via esse ser primitivo desprovido da impureza do homem civilizado, ligado à natureza de rios, de florestas, de extensões de terra não suficientemente exploradas pela ganância do colonizador europeu. Destarte, o bom selvagem tupiniquim serviu de inspiração a poetas e a prosadores da cultura letrada cansados do mundo moderno.

A partir desse momento, a literatura passa a ser crucial para a construção de um projeto de país, nação e povo. A cultura literária não se relacionava apenas a livros e a folhetins, mas também a construções oratórias e discursos nos sítios políticos e religiosos.

O desenvolvimento tecnológico capitalista ligado à profusão da informação permitiu aos cidadãos do império recém-estabelecido perceber às dissonâncias culturais, políticas, econômicas e sociais desse império, fomentando discussões sobre elas.

Além do indígena no seu habitat natural, entra em cena o burguês urbano. Tais mudanças de protagonistas vieram acompanhadas de novas orientações culturais, linguísticas, temáticas. O tempo representado nas construções literárias ganha uma dinâmica mais realista e precisa.

Para Roncari (ibid., p. 297), o Romantismo está ligado a “uma visão de mundo, uma forma de o homem de determinado período histórico, no caso a primeira metade do século XIX, representar e interpretar o próprio homem e o mundo a partir dos conhecimentos e valores da época.”, preocupando-se sempre em apresentar os traços mais eminentes desse momento, como a subjetividade, a preocupação com a arte, a espiritualidade cristã, a imprecisão, a instabilidade, os valores exóticos. Paulatinamente, a desilusão com os valores da revolução burguesa vão sendo a tônica, num mundo que recrudesce a potencialidade humana.

Destarte, fácil concluir que o período romântico tratou de forjar símbolos nacionais, distanciados agora da tradição portuguesa. Os escritores utilizaram-se no primeiro instante de nossa cultura local, dando-lhe um tom exótico e apaixonante.

Para Roncari (2002) é mister observar que tal período não originou um marco de xenofobia à tradição d´além-mar, não obstante foi capaz enaltecer suas particularidades, suscitando na inteligência brasileira a necessidade de haver uma linguagem poética própria aguçada agora pelas paisagens brasileiras. A intelectualidade reconhecia o atraso do país em relação ao mundo civilizado, mas encontrava refúgio na crença da construção de um mundo novo exuberante no continente americano.

Roncari (2002) em sua “Literatura brasileira” menciona uma figura destoante a esse belo parecer, o sorocabano e descendente de alemães Adolfo de Varnhagen. Ser ilustre da historiografia nacional em seus primórdios novecentistas, Varnhagen não era possuidor do mesmo entusiasmo com nossos ancestrais primitivos. Para ele, a raça indígena era inapta ao processo civilizatório que se desejava à nova nação. Para ele, a raça negra era ainda mais inferior, configurando-se como uma raça vagabunda. Confere-se o conservadorismo de seu posicionamento diante da nova situação política, preocupado com o abandono de valores tradicionais perpetuados pela matriz lusitana. Outrossim, seu destaque apresenta a dificuldade de parte da elite em adaptar-se à ocasião diferente de outrora.

Roncari (2002) também assinala que o poeta Álvares de Azevedo atenua a importância da independência política com a literária, pois ele não via com bons olhos um rompimento repentino com a tradição deixada pelos portugueses.

Durante os oitocentos pendurou na intelectualidade nacional a discussão sobre a situação da poesia feita em nossa terra com a realidade brasileira.


 

Referências

 

ROMERO, Silvio. Fatores da literatura brasileira. In: História da literatura brasileira. Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2001, p. 55-121.

RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 287-315.

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