Em
“Fundamentos da literatura brasileira”, de 1888, Silvio Romero aponta a penúria
de trabalhos acerca da literatura nacional. Para Romero essa então realidade
precária advém da também parca situação lusitana, desde a época da ligação
luso-brasileira metrópole-colônia. Romero aponta que houve uma parca literatura
novecentista sobre nosso estado literário, porém ausente de grande eminência.
Uma exceção Romero faz
questão de citar, o livro do austríaco Ferdinand Wolf, “Le Brésil Littéraire”,
de 1863, o qual para ele apresentava uma realidade imprecisa do acervo
literário brasileiro, ausente de “vistas teóricas; é um produto artificial e
diplomático. O tom em geral é ditirâmbico, e, entre outros, os exageros sobre o
merecimento de seu principal inspirador, Gonçalves de Magalhães, provocam hoje
o riso.” (ROMERO, 2001, p 57).
Silvio Romero (loc. cit.) explica
a importância da tessitura de escritos sobre a história literária nacional
ministrada por autores brasileiros:
A
história do Brasil, como deve hoje ser compreendida, não é, conforme se julgava
antigamente e era repetido pelos entusiastas lusos, a história exclusiva dos
portugueses na América. Não é também, como quis de passagem supor o romanticismo,
a história dos tupis, ou, segundo o sonho de alguns representantes do
africanismo entre nós, a dos negros no Novo Mundo.
É
antes a história da formação de um tipo novo pela ação de cinco fatores,
formação sextiária em que predomina a mestiçagem. Todo brasileiro é um mestiço,
quando não no sangue, nas ideias. Os operários deste fato têm sido: o
português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira.
Tudo
quanto há contribuído para a diferenciação nacional deve ser estudo, e a medida
do mérito dos escritores é este critério novo.
Tanto
mais um autor ou um político tenha trabalhado para a determinação de nosso
caráter nacional, quanto maior é o seu merecimento. Quem tiver sido um mero
imitador português não teve ação, foi um tipo negativo.
Faltam
os elementos para fazer um quadro vivaz e palpitante da vida íntima dos autores
brasileiros.
Ademais, Romero (2001) assinala
que compreender as feituras de um escritor é lograr êxito sobre seus momentos
mais íntimos e individuais, bem como sobre sua relação com a nação e até com a
humanidade. Percebemos que para Romero estudar a história literária de um país
é ser capaz de determinar o espírito daquela nação, além de permitir com assaz
agudez predizer o momento futuro desse povo. O estudioso deve
mostrar
as relações de nossa vida intelectual com a história política, social e
econômica da nação; será preciso deixar ver como o descobridor, o colonizador,
o implantador da nova ordem de coisas, o português, em sua foi-se transformando
ao contato do índio, do negro, da natureza americana, e como, ajudado por tudo
isso e pelo concurso de ideias estrangeiras, se foi aparelhando o brasileiro,
tal qual ele é desde já e ainda mais característico se tornará no futuro. (ibid.,
p. 59, grifo do autor).
No caso do Brasil, Romero (2001)
assevera que apenas deve-se considerar os escritores aqui nascidos e os
lusitanos que aqui habitaram e tiveram estima em aqui viver. O método defendido
por ele deve ser “popular e étnico para explicar o nosso caráter nacional, não
esquecerei o critério positivo e evolucionista da nova filosofia social, quando
tratar de notar as relações do Brasil com a humanidade em geral. (ibid.,
p. 60, grifo do autor).
Estando em 1888, Silvio
Romero aponta quatro períodos da história literária tupiniquim considerando-se
manifestações extra-literárias, como fatos políticos, econômicos e científicos.
O primeiro período inicia-se de 1500-1750, formado pelas obras flamengas e
sedições até o período oitocentista; o segundo de 1750-1830, formado por
limitado desenvolvimento próprio e surgimento da aptidão mineira; o terceiro de
1830-1870, formado pelo pensamento romântico, com a ratificação do Império e a
preocupação em afastar-se da tradição lusitana através da mimética francesa; o
quarto, a partir de 1970, com a suscitação crítica ao romantismo através das
inspirações realistas e naturalistas, fazendo uso do positivismo filosófico e
das ideias darwinistas.
Ao estabelecer limites
históricos, Roncari (2002, p. 288-289) leciona que eles são estabelecidos a
partir
reconhecimento
de que representam o início e o fim de um momento em que a literatura adquiriu
algumas características importantes. [...] O que interessa para a visão
histórica são as dominantes, ou seja, como certos traços, secundários e
desimportantes em alguns momentos, em outros tornaram-se decisivos e
fundamentais e vice-versa.
Romero e Roncari consideram que o grande evento para o
ciclo romântico foi a fratura política de 7 de setembro de 1822. A
independência política obrigou aos setores livres de uma sociedade ainda
escravocrata indagações acerca de uma nacionalidade brasileira. Nossos
literatos desse período romântico procuraram construir uma nacionalidade
autônoma, segura, particular a partir da cultura indígena. A tradição ocidental
via esse ser primitivo desprovido da impureza do homem civilizado, ligado à
natureza de rios, de florestas, de extensões de terra não suficientemente
exploradas pela ganância do colonizador europeu. Destarte, o bom selvagem
tupiniquim serviu de inspiração a poetas e a prosadores da cultura letrada
cansados do mundo moderno.
A partir desse momento, a
literatura passa a ser crucial para a construção de um projeto de país, nação e
povo. A cultura literária não se relacionava apenas a livros e a folhetins, mas
também a construções oratórias e discursos nos sítios políticos e religiosos.
O desenvolvimento
tecnológico capitalista ligado à profusão da informação permitiu aos cidadãos
do império recém-estabelecido perceber às dissonâncias culturais, políticas,
econômicas e sociais desse império, fomentando discussões sobre elas.
Além do indígena no seu
habitat natural, entra em cena o burguês urbano. Tais mudanças de protagonistas
vieram acompanhadas de novas orientações culturais, linguísticas, temáticas. O
tempo representado nas construções literárias ganha uma dinâmica mais realista
e precisa.
Para Roncari (ibid., p. 297),
o Romantismo está ligado a “uma visão de mundo, uma forma de o homem de
determinado período histórico, no caso a primeira metade do século XIX,
representar e interpretar o próprio homem e o mundo a partir dos conhecimentos
e valores da época.”, preocupando-se sempre em apresentar os traços mais
eminentes desse momento, como a subjetividade, a preocupação com a arte, a
espiritualidade cristã, a imprecisão, a instabilidade, os valores exóticos.
Paulatinamente, a desilusão com os valores da revolução burguesa vão sendo a
tônica, num mundo que recrudesce a potencialidade humana.
Destarte, fácil concluir que
o período romântico tratou de forjar símbolos nacionais, distanciados agora da
tradição portuguesa. Os escritores utilizaram-se no primeiro instante de nossa
cultura local, dando-lhe um tom exótico e apaixonante.
Para Roncari (2002) é mister
observar que tal período não originou um marco de xenofobia à tradição
d´além-mar, não obstante foi capaz enaltecer suas particularidades, suscitando
na inteligência brasileira a necessidade de haver uma linguagem poética própria
aguçada agora pelas paisagens brasileiras. A intelectualidade reconhecia o
atraso do país em relação ao mundo civilizado, mas encontrava refúgio na crença
da construção de um mundo novo exuberante no continente americano.
Roncari (2002) em sua “Literatura
brasileira” menciona uma figura destoante a esse belo parecer, o sorocabano e
descendente de alemães Adolfo de Varnhagen. Ser ilustre da historiografia
nacional em seus primórdios novecentistas, Varnhagen não era possuidor do mesmo
entusiasmo com nossos ancestrais primitivos. Para ele, a raça indígena era
inapta ao processo civilizatório que se desejava à nova nação. Para ele, a raça
negra era ainda mais inferior, configurando-se como uma raça vagabunda.
Confere-se o conservadorismo de seu posicionamento diante da nova situação política,
preocupado com o abandono de valores tradicionais perpetuados pela matriz
lusitana. Outrossim, seu destaque apresenta a dificuldade de parte da elite em
adaptar-se à ocasião diferente de outrora.
Roncari (2002) também
assinala que o poeta Álvares de Azevedo atenua a importância da independência
política com a literária, pois ele não via com bons olhos um rompimento
repentino com a tradição deixada pelos portugueses.
Durante os oitocentos
pendurou na intelectualidade nacional a discussão sobre a situação da poesia
feita em nossa terra com a realidade brasileira.
Referências
ROMERO,
Silvio. Fatores da literatura brasileira. In: História da literatura
brasileira. Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2001, p. 55-121.
RONCARI,
Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos
românticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 287-315.
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