segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Slave Ship by Castro Alves feat William Turner

 

O navio negreiro de Castro Alves

          Candido (2000) nomeia Castro Alves como poeta humanitário por expor em suas palavras o sentimento de justiça duma liberdade utópica comum a muitos intelectuais do século XVIII, diante dum mundo em que invoca no ser humano a sedição do

homem contra a sociedade, do oprimido contra o opressor – outra maneira de sentir o conflito, caro aos românticos, entre bem e mal. A dialética da sua poesia implica menos a visão do escravo (ou do oprimido em geral) como realidade presente, do que como episódio de um drama mais amplo e abstrato: o do próprio destino humano, em presa aos desajustamentos da história (CANDIDO, 2000, p. 241).

 

          Consoante Candido (2000) o eu lírico castroalvinista, num sabor assaz psicologicamente consciente, é fruto do despudor com a realidade causadora dum mal-estar, tendo Castro Alves acolhido empatia pelos escravos pretos de África, tendo como significado a disputa eterna do bem contra o mal.

          “O navio negreiro” representa para Candido (2000) sua contribuição de maior fôlego à literatura nacional, elevando o elemento africano a uma figura nobre a ponto de ter sua realidade declamada na estética poética. As ideias abolicionistas desse momento começaram a tecer eco em nossos escritores, sendo Castro Alves como símbolo de transformação da narrativa sobre o preto degradado, celebrando-o como peça heroica antes do cume do abolicionismo em nossa elite. Na obra supracitada, Castro Alves dignifica o negro sustentando sua dor com as agruras de sua dura realidade em nossa terra perfazendo traços visuais potentes. Há a presença de versos que demonstram fugacidade, numa oratória popular e brasileira, já mostrando a riqueza e diversidade de nossa cultura, dando-lhe identidade própria. Alves assume ser um poeta romântico de peculiar engajamento social para sua época. 

Não podemos olvidar que José de Alencar e Gonçalves Dias forjaram o mito do aborígene americano para além da literatura em nossa nação. A gênese brasileira abastecida pelo traço do primitivo americano foi vista com altivez de nossa diferente formação.

          Candido (2000) também observa do problema da integração do negro à sociedade brasileira, e, obviamente, à literatura nacional. Escritores oitocentistas que vieram após Castro Alves atenuavam os traços físicos e abstratos da matriz africana à cultura brasileira como ocorre até os correntes dias. A miscigenação foi usada como forma de afastamento do elemento negro de nossa realidade. Perpetuou-se a ideia do embranquecimento do negro.

 

“Shape Slave” by William Turner

          William Turner em sua peça artística “Shape Slave” expõe as atrocidades do sistema escravocrata. O episódio real de 1783 do genocídio de parte da população negra doente arremessada ao oceano sob a ordem do líder de um navio. Essa decisão foi tomada em face de que as perdas só seriam cobertas por aqueles perdidos ao mar.

          O trágico episódio é dimensionado pelo artista ao apresentar a embarcação instável e parte dos corpos das vítimas dominados pela virulência da água, que se mistura a cor vermelha, a qual aguça ainda mais a dor dos negros na carnificina causada também por seres marinhos. Mister lembrar que os negros africanos não tinham domínio de técnicas de navegação e não sabiam nadar.

          A beleza trazida ao centro por cores quentes – amarelo e laranja – entram em contraste pelas cores escuras que estão relacionadas ao desespero dos escravos. O navio, construção humana que significou liberdade e riqueza para alguns, para outros representou dor e humilhação, aparece sob uma perspectiva longínqua e em tamanho diminuto, sofre também a ação da água pintada sob as cores azul e cinza. Na obra, inclusive o homem branco europeu sofre com a prática escravocrata, como se fosse um castigo da própria natureza por sua ambição.  

          Outrossim, em países europeus, como Inglaterra e França, a escravidão já estava decadente. Nos anos 30 e 40 do século XVIII, essas nações trataram por abolir o tráfico de escravos em suas colônias. A obra de Turner é data em 1840, duas décadas antes da Guerra Civil nos Estados Unidos, em que um dos motivos para o bélico evento foi a questão da escravidão.

 

Considerações finais

          As obras de Castro Alves e William Turner encontram-se na inspiração em observar o escravo da África na América como um ser capaz de encantamento mesmo nas distantes mãos brancas burguesas. A preocupação com a realidade social é flagrante e estão em conformidade com as novas ideias do período de seus fazimentos. A dor do elemento subserviente une-se a dor dos artistas.

 


 

Referências

 

GAGLIARDI, Caio. Pleno Mar – A Bordo dos Navios de Castro Alves, Samuel Taylor Coleridge, J. M. William Turner e Gustave DoréCrítica & Companhia: Caderno Eletrônico, Campinas, dez. 2005. Disponível em: http://www.criticaecompanhia.com.br/2Caio.htm. Acesso em 11 de jan. de 2021.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. v 2.

TURNER, Joseph Mallord William. Shape Slave. 1840. 

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