segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Historiografia e crítica literária do século XIX com Sainte-Beuve e Hyppolyte Taine

 


          O crítico literário francês novecentista Charles-Augustin Sainte-Beuve teceu em 1862 um eminente texto dentro da crítica literária da época: “Sobre o meu método”. Sainte-Beuve assinala que “o estudo literário me conduz assim muito naturalmente ao estudo moral.” Já ao principiar sobre seu método, Sainte-Beuve escreve “a observação moral do caráter está mais no detalhe, nos elementos, na descrição dos indivíduos e, quando muito, de algumas espécies.”

          Um homem novecentista preocupa-se em diferenciar as plantas ou animais, do ser humano, que, em sua perspectiva, é um ser mais complexo pois é dotado de liberdade, fator que lhe permite fornecê-lo uma série de combinações inúmeras.

          Sainte-Beuve leciona o que é eminente observar no escritor e homem superior: “se conhecêssemos fisiologicamente bem a raça, os ascendentes e ancestrais, teríamos luz sore a qualidade secreta e essencial dos espíritos.” Para ele, tal homem superior é um produto de seus pais, mormente, de sua genitora. Destarte, observar a procedência dos genitores é encontrar o ser superior. Não obstante, isso só não é suficiente, mister é analisar “o primeiro ambiente, o primeiro grupo de amigos e de contemporâneos em que ele se encontrava no momento em que seu talento eclodiu, tomou corpo e tornou-se adulto.” Nesse grupo literário, o homem superior possui a capacidade de agrupar seus pares em torno de si, projetando talento de eloquência.

          Sobre o prazer que tecer palavras sobre o bom grado literário, Sainte-Beuve escreve: “não sei de prazer mais doce para o crítico do que compreender e descrever um jovem talento, no seu frescor, no que ele tem de franco e primitivo.”

          Sainte-Beuve adverte que o homem superior é limitado, começando-se a deteriorar com o esvaecer de seu talento: “na maioria das vidas literárias que nos são submetidas, um determinado momento em que falta a maturidade que se esperava, ou então, se alcançada, ela se ultrapassa, e em que o próprio excesso de qualidade torna-se o defeito.”

          No epílogo de seu escrito “Sobre o meu método”, Sainte-Beuve defende que os espíritos superiores se reconhecem, não obstante faz questão de advertir que “diga-me quem te admira e quem te ama, e te direi quem és”, levando-se em consideração “pelos inimigos que ele [um talento] suscita e atrai sem o querer, por seus contrários e aqueles que lhe são antipáticos, por aqueles que não o podem instintivamente tolerar.”

          Outro crítico da língua francesa de renome dos novecentos foi Hyppolyte Adolphe Taine, cujo pensamento positivista tem uma reserva de base sociológica. Em 1863, escreveu “História da literatura inglesa”.

          No texto supracitado ele ressalta a importância da literatura, pois é possível “a partir dos monumentos literários, reencontrar a maneira como os homens sentiram e pensaram há vários séculos”, contemplando-se “objeto, método, instrumentos, concepção das leis e das causas” afim de “conhecer o homem que se estuda o documento.”

          Taine leciona que é através das folhas escritas por um homem é possível perceber que este é “dotado de paixões, munido de hábitos, com voz e sua fisionomia, seus gestos e suas roupas, distinto e completo como aquele que há pouco deixamos na rua.” Ao ter contato com uma obra literária não é possível observar diretamente o ser físico que escreve, tampouco seu comportamento. Somente resta tecer julgamentos mutilados de uma alma por meio de um conhecimento aproximado.

          Outrossim, Taine destaca a importância desse ser responsável por desentranhar esse mundo oculto dos textos. Esse ser é o historiador, responsável por “desentranhar sob cada ornamento de uma arquitetura, sob cada traço de um quadro, sob cada frase de um escrito, o sentimento particular de onde saíram o ornamento, o traço, a frase; assiste ao drama interior que se travou no artista ou no escritor.” Para Taine, a história como outras disciplinas do século XIX tomou seu “modelo moral”, em que o historiador – inclusive ele próprio – “deparamos com certa disposição primitiva, com certo traço próprio de todas as sensações, todas as concepções de um século ou de uma raça, certa particularidade inseparável de todos os procedimentos da mente e do coração.”

          Influenciado pelo cientificismo novecentista, Taine preocupa-se em dispor sua visão sobre o desenvolvimento coletivo com a ideia de raça embrionária da nação: “acha-se sempre como mola primitiva alguma disposição muito geral da mente e da alma, seja ela inata e naturalmente vinculada à raça, seja adquirida e produzida por alguma circunstância aplicada na raça. Essas grandes molas determinadas fazem efeito aos poucos, penso que ao cabo de alguns séculos põem a nação em novo estado, religioso, literário, social, e econômico.”

          Taine expõe seu entendimento sobre raça: “disposições inatas e hereditárias que o homem traz consigo à luz, e que normalmente andam junto com diferenças marcadas no temperamento e na estrutura do corpo.” Além da raça há outros fatores que formam o que ele chama de estado moral elementar. Taine leciona que “clima e situação diferentes acarretam nele necessidades diferentes, por conseguinte um sistema de ações diferentes, por conseguinte também um sistema de hábitos diferentes, por conseguinte enfim um sistema de aptidões e instintos diferentes.” Em suma, Taine assinala que “pode-se considerar o caráter de um povo como o resumo de todas as suas ações e sensações precedentes.” Taine aproveita para circunscrever que o meio é oriundo de condições físicas ou sociais. Outro fator que ele destaca é o desenvolvimento existente no decorrer do tempo, como ocorre com uma planta, também ocorre com a formação humana, em que há precursores e sucessores. A parte sucessória é dependente da primária, ambas envolvidas por circunstâncias que lhes direcionam.

          Taine afirma que “as três principais obras da inteligência humana” são a filosofia, a religião e a arte, seres constituidores das diferentes raças presentes no globo terrestre. O caráter próprio de cada raça é responsável por dar forma a um sistema local, do qual se faz presente a literatura. De modo assaz agudo para a época, Taine finaliza suas palavras lecionando que é “principalmente pelo estudo das literaturas que se poderá fazer a história moral e caminhar rumo ao conhecimento das leis psicológicas, de que dependem os acontecimentos. Dedico-me aqui a escrever a história de uma literatura e a procurar nela a psicologia de um povo.”

 

Considerações finais

          Percebemos que como homens de sua época – século XIX – Sainte-Beuve e Taine preocupam-se com os aspectos históricos que forjaram uma raça, um tempo histórico, uma nação. Tais características devem ser consideradas para um crítico literário.

          Nos dois textos utilizados como base, por vezes, os franceses preocupam-se em fazer analogias da crítica literária com outros ramos do conhecimento humano, como a matemática e a biologia, por exemplo.

          No texto de Taine fica mais visível a influência do biologismo – calcados nas ideias de adaptação e evolução. Em a “História da literatura inglesa”, ele dispõe de forma mais adequada e extensa seu pensamento acerca da formação de seu estado moral elementar.

          Esses críticos apresentaram sua influência na inteligência brasileira, caso de Sílvio Romero, José Veríssimo e Araripe Júnior, por exemplo.


 

Referências

 

SAINT-BEUVE, Charles-Augustin. Introdução à História da Literatura inglesa. In: SOUZA, Roberto Acízelo (org.). Uma ideia moderna de literatura: textos seminais para os estudos literários (1688-1922). Chapecó, SC: Argos, 2011, p. 520-527.

 

TAINE, Hyppolyte. Sobre o meu método. In: SOUZA, Roberto Acízelo (org.). Uma ideia moderna de literatura: textos seminais para os estudos literários (1688-1922). Chapecó, SC: Argos, 2011, p. 528-543.

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