O
crítico literário francês novecentista Charles-Augustin Sainte-Beuve teceu em
1862 um eminente texto dentro da crítica literária da época: “Sobre o meu
método”. Sainte-Beuve assinala que “o estudo literário me conduz assim muito
naturalmente ao estudo moral.” Já ao principiar sobre seu método, Sainte-Beuve
escreve “a observação moral do caráter está mais no detalhe, nos elementos, na
descrição dos indivíduos e, quando muito, de algumas espécies.”
Um
homem novecentista preocupa-se em diferenciar as plantas ou animais, do ser
humano, que, em sua perspectiva, é um ser mais complexo pois é dotado de
liberdade, fator que lhe permite fornecê-lo uma série de combinações inúmeras.
Sainte-Beuve
leciona o que é eminente observar no escritor e homem superior: “se
conhecêssemos fisiologicamente bem a raça, os ascendentes e ancestrais,
teríamos luz sore a qualidade secreta e essencial dos espíritos.” Para ele, tal
homem superior é um produto de seus pais, mormente, de sua genitora. Destarte,
observar a procedência dos genitores é encontrar o ser superior. Não obstante,
isso só não é suficiente, mister é analisar “o primeiro ambiente, o primeiro
grupo de amigos e de contemporâneos em que ele se encontrava no momento em que
seu talento eclodiu, tomou corpo e tornou-se adulto.” Nesse grupo literário, o
homem superior possui a capacidade de agrupar seus pares em torno de si,
projetando talento de eloquência.
Sobre
o prazer que tecer palavras sobre o bom grado literário, Sainte-Beuve escreve:
“não sei de prazer mais doce para o crítico do que compreender e descrever um
jovem talento, no seu frescor, no que ele tem de franco e primitivo.”
Sainte-Beuve
adverte que o homem superior é limitado, começando-se a deteriorar com o
esvaecer de seu talento: “na maioria das vidas literárias que nos são
submetidas, um determinado momento em que falta a maturidade que se esperava,
ou então, se alcançada, ela se ultrapassa, e em que o próprio excesso de
qualidade torna-se o defeito.”
No
epílogo de seu escrito “Sobre o meu método”, Sainte-Beuve defende que os
espíritos superiores se reconhecem, não obstante faz questão de advertir que
“diga-me quem te admira e quem te ama, e te direi quem és”, levando-se em
consideração “pelos inimigos que ele [um talento] suscita e atrai sem o querer,
por seus contrários e aqueles que lhe são antipáticos, por aqueles que não o
podem instintivamente tolerar.”
Outro
crítico da língua francesa de renome dos novecentos foi Hyppolyte Adolphe
Taine, cujo pensamento positivista tem uma reserva de base sociológica. Em
1863, escreveu “História da literatura inglesa”.
No
texto supracitado ele ressalta a importância da literatura, pois é possível “a
partir dos monumentos literários, reencontrar a maneira como os homens sentiram
e pensaram há vários séculos”, contemplando-se “objeto, método, instrumentos,
concepção das leis e das causas” afim de “conhecer o homem que se estuda o
documento.”
Taine
leciona que é através das folhas escritas por um homem é possível perceber que
este é “dotado de paixões, munido de hábitos, com voz e sua fisionomia, seus
gestos e suas roupas, distinto e completo como aquele que há pouco deixamos na
rua.” Ao ter contato com uma obra literária não é possível observar diretamente
o ser físico que escreve, tampouco seu comportamento. Somente resta tecer
julgamentos mutilados de uma alma por meio de um conhecimento aproximado.
Outrossim,
Taine destaca a importância desse ser responsável por desentranhar esse mundo
oculto dos textos. Esse ser é o historiador, responsável por “desentranhar sob
cada ornamento de uma arquitetura, sob cada traço de um quadro, sob cada frase
de um escrito, o sentimento particular de onde saíram o ornamento, o traço, a
frase; assiste ao drama interior que se travou no artista ou no escritor.” Para
Taine, a história como outras disciplinas do século XIX tomou seu “modelo
moral”, em que o historiador – inclusive ele próprio – “deparamos com certa
disposição primitiva, com certo traço próprio de todas as sensações, todas as
concepções de um século ou de uma raça, certa particularidade inseparável de
todos os procedimentos da mente e do coração.”
Influenciado
pelo cientificismo novecentista, Taine preocupa-se em dispor sua visão sobre o
desenvolvimento coletivo com a ideia de raça embrionária da nação: “acha-se
sempre como mola primitiva alguma disposição muito geral da mente e da alma,
seja ela inata e naturalmente vinculada à raça, seja adquirida e produzida por
alguma circunstância aplicada na raça. Essas grandes molas determinadas fazem
efeito aos poucos, penso que ao cabo de alguns séculos põem a nação em novo
estado, religioso, literário, social, e econômico.”
Taine
expõe seu entendimento sobre raça: “disposições inatas e hereditárias que o
homem traz consigo à luz, e que normalmente andam junto com diferenças marcadas
no temperamento e na estrutura do corpo.” Além da raça há outros fatores que
formam o que ele chama de estado moral elementar. Taine leciona que “clima e
situação diferentes acarretam nele necessidades diferentes, por conseguinte um
sistema de ações diferentes, por conseguinte também um sistema de hábitos
diferentes, por conseguinte enfim um sistema de aptidões e instintos
diferentes.” Em suma, Taine assinala que “pode-se considerar o caráter de um
povo como o resumo de todas as suas ações e sensações precedentes.” Taine
aproveita para circunscrever que o meio é oriundo de condições físicas ou
sociais. Outro fator que ele destaca é o desenvolvimento existente no decorrer
do tempo, como ocorre com uma planta, também ocorre com a formação humana, em
que há precursores e sucessores. A parte sucessória é dependente da primária,
ambas envolvidas por circunstâncias que lhes direcionam.
Taine
afirma que “as três principais obras da inteligência humana” são a filosofia, a
religião e a arte, seres constituidores das diferentes raças presentes no globo
terrestre. O caráter próprio de cada raça é responsável por dar forma a um
sistema local, do qual se faz presente a literatura. De modo assaz agudo para a
época, Taine finaliza suas palavras lecionando que é “principalmente pelo
estudo das literaturas que se poderá fazer a história moral e caminhar rumo ao
conhecimento das leis psicológicas, de que dependem os acontecimentos. Dedico-me
aqui a escrever a história de uma literatura e a procurar nela a psicologia de
um povo.”
Considerações finais
Percebemos
que como homens de sua época – século XIX – Sainte-Beuve e Taine preocupam-se
com os aspectos históricos que forjaram uma raça, um tempo histórico, uma
nação. Tais características devem ser consideradas para um crítico literário.
Nos
dois textos utilizados como base, por vezes, os franceses preocupam-se em fazer
analogias da crítica literária com outros ramos do conhecimento humano, como a
matemática e a biologia, por exemplo.
No
texto de Taine fica mais visível a influência do biologismo – calcados nas
ideias de adaptação e evolução. Em a “História da literatura inglesa”, ele
dispõe de forma mais adequada e extensa seu pensamento acerca da formação de
seu estado moral elementar.
Esses
críticos apresentaram sua influência na inteligência brasileira, caso de Sílvio
Romero, José Veríssimo e Araripe Júnior, por exemplo.
Referências
SAINT-BEUVE,
Charles-Augustin. Introdução à História da Literatura inglesa. In: SOUZA,
Roberto Acízelo (org.). Uma ideia
moderna de literatura: textos seminais para os estudos literários
(1688-1922). Chapecó, SC: Argos, 2011, p. 520-527.
TAINE,
Hyppolyte. Sobre o meu método. In: SOUZA, Roberto Acízelo (org.). Uma ideia moderna de literatura: textos
seminais para os estudos literários (1688-1922). Chapecó, SC: Argos, 2011, p.
528-543.
Nenhum comentário:
Postar um comentário