segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O romantismo de Gonçalves Dias

 

 

            Antonio Candido (2000) leciona que Gonçalves Dias é o escritor romântico mais imponente da primeira leva, considerado à sua época nalguns grupos literários como o precursor da literatura brasileira. Roncari (2002), apoiado nas palavras ilustres do crítico oitocentista José Veríssimo, revela que este via Gonçalves Dias como produto das condições ambientais, sociais, culturais e raciais em conluio com seus talentos que lhe eram próprios, sendo-lhes capaz de dar voz a um eu lírico cantor altivo das riquezas da “terra brasilis”, caso ilustre de sua “Canção do exílio”. Trazendo em suas letras a inspiração e o formalismo poético da literatura neoclássica, Candido (2000, p. 71) resume desta forma Gonçalves Dias como um ser preocupado com

o ideal literário; beleza na simplicidade, fuga ao adjetivo, procura da expressão de tal maneira justa que outra seria difícil. É que, sob o patético da vocação romântica, persistia nele a necessidade da medida, legada pelo neoclassicismo e sensível, em sua obra, até sob a manifestação ocasional do mal do século.

 

            Candido (2000) considera-lhe discreto em questões que envolviam as belas letras de seu período, capaz de idealizar em sua forma indianista o sujeito aborígene como um ser honrado, através de “uma visão geral do índio, por meio de cenas ou feitos ligados à vida de um índio qualquer, cuja identidade é puramente convencional e apenas funciona como padrão.” (ibid., p. 74). Silvio Romero (2001) décadas mais adiante, já apoiado em narrativas científicas, considerava praticamente todas as tribos indígenas que participaram da nossa formação como oriundas duma única raça, os tupis, estando-os praticamente no momento da pedra polida ao aportar dos lusitanos e que obtinham seus sustentos da pesca, da caça e do cultivo de mandioca.

Candido (2000) também faz questão de destacar que as palavras desse poeta romântico trazem traços do medievismo metropolitano, com medidas líricas e heróicas pretéritas. Desprovido de uma visão científica da etnografia, a obra gonçalvina cose seu personagem americano de modo exótico a partir da sensibilidade europeia embasbacada com o Novo Mundo acompanhada de melodia e escolha lexical precisas, aproveitada pelo encanto com o habitat e comportamento do herói primitivo, como Dias apresenta-nos em seu poema “I-Juca Pirama”. As formas femininas também foram observadas por ele, como em “Leito de Folhas Verdes”, em que há a simbiose da beleza das formas naturais com as da mulher indígena, além do sofrimento amoroso desta pela chegada de seu amado guerreiro. Candido (2000) chama a atenção nesse poema para o estado psicológico de apreensão e decepção do ser feminino que declama sua condição nestas palavras:

 

Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes

À voz do meu amor, que em vão te chama!

Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil

A brisa da manhã sacuda as folhas!

 

            Candido (2000) também apresenta que Gonçalves Dias não ficou preso somente ao indianismo, sendo capaz de dar plasticidade sonora em seus versos, utilizando-se da vibração sensorial a partir de imagens coloridas, sons e cheiros, tergiversando com temas referentes à solidão, à noite, à morte, à glória consagrada “post mortem”, como em “O mar”.

 

Mas nesse instante que me está marcado,

Em que hei de esta prisão fugir pra sempre,

Irei tão alto, ó mar, que lá não chegue

Teu sonoro rugido.

           

            Roncari (2002) ressalta a dificuldade aos estudos literários o motivo que autores ovacionados a fim de dar-lhes sustento artístico, não obstante ele afirma que “é que eles [os autores] realizam em alto grau as expectativas literárias de sua época e, ao mesmo tempo, não se esgotam nela, mas as transcendem. Os dois aspectos gerais que todas parecem combinar são estes: por um lado, tocam profundamente no humano, naqueles aspectos do homem  que ultrapassam e, ao mesmo tempo, contêm as particularidades históricas do seu tempo; por outro, dominam e exploram ao máximo as possibilidades da representação literária e da expressão verbal.” (RONCARI, 2002, p. 375). Gonçalves Dias foi capaz de ser um marco da expressão literária nacional a ponto que artistas ulteriores quisessem manter alguma relação com ele, seja de aproximação ou afastamento. Utilizando-se da própria tradição europeia, Dias foi capaz de dar “uma nova representação dos ‘feitos’ portugueses no Brasil, só que a partir das suas consequências para o indígena e de seu ponto de vista.” (Ibid., p. 378).


 

Referências

 

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. v 2.

ROMERO, Silvio. Fatores da literatura brasileira. In: História da literatura brasileira. Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2001, p. 55-121.

RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 287-315.

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