Antonio
Candido (2000) leciona que Gonçalves Dias é o escritor romântico mais imponente
da primeira leva, considerado à sua época nalguns grupos literários como o
precursor da literatura brasileira. Roncari (2002), apoiado nas palavras
ilustres do crítico oitocentista José Veríssimo, revela que este via Gonçalves
Dias como produto das condições ambientais, sociais, culturais e raciais em
conluio com seus talentos que lhe eram próprios, sendo-lhes capaz de dar voz a
um eu lírico cantor altivo das riquezas da “terra brasilis”, caso ilustre de
sua “Canção do exílio”. Trazendo em suas letras a inspiração e o formalismo
poético da literatura neoclássica, Candido (2000, p. 71) resume desta forma
Gonçalves Dias como um ser preocupado com
o
ideal literário; beleza na simplicidade, fuga ao adjetivo, procura da expressão
de tal maneira justa que outra seria difícil. É que, sob o patético da vocação
romântica, persistia nele a necessidade da medida, legada pelo neoclassicismo e
sensível, em sua obra, até sob a manifestação ocasional do mal do século.
Candido
(2000) considera-lhe discreto em questões que envolviam as belas letras de seu
período, capaz de idealizar em sua forma indianista o sujeito aborígene como um
ser honrado, através de “uma visão geral do índio, por meio de cenas ou feitos
ligados à vida de um índio qualquer, cuja identidade é puramente convencional e
apenas funciona como padrão.” (ibid., p. 74). Silvio Romero (2001) décadas mais
adiante, já apoiado em narrativas científicas, considerava praticamente todas
as tribos indígenas que participaram da nossa formação como oriundas duma única
raça, os tupis, estando-os praticamente no momento da pedra polida ao aportar
dos lusitanos e que obtinham seus sustentos da pesca, da caça e do cultivo de
mandioca.
Candido (2000) também
faz questão de destacar que as palavras desse poeta romântico trazem traços do
medievismo metropolitano, com medidas líricas e heróicas pretéritas. Desprovido
de uma visão científica da etnografia, a obra gonçalvina cose seu personagem
americano de modo exótico a partir da sensibilidade europeia embasbacada com o
Novo Mundo acompanhada de melodia e escolha lexical precisas, aproveitada pelo
encanto com o habitat e comportamento do herói primitivo, como Dias apresenta-nos
em seu poema “I-Juca Pirama”. As formas femininas também foram observadas por
ele, como em “Leito de Folhas Verdes”, em que há a simbiose da beleza das
formas naturais com as da mulher indígena, além do sofrimento amoroso desta
pela chegada de seu amado guerreiro. Candido (2000) chama a atenção nesse poema
para o estado psicológico de apreensão e decepção do ser feminino que declama
sua condição nestas palavras:
Não
me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À
voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã!
lá rompe o sol! do leito inútil
A
brisa da manhã sacuda as folhas!
Candido
(2000) também apresenta que Gonçalves Dias não ficou preso somente ao
indianismo, sendo capaz de dar plasticidade sonora em seus versos,
utilizando-se da vibração sensorial a partir de imagens coloridas, sons e
cheiros, tergiversando com temas referentes à solidão, à noite, à morte, à
glória consagrada “post mortem”, como em “O mar”.
Mas
nesse instante que me está marcado,
Em
que hei de esta prisão fugir pra sempre,
Irei
tão alto, ó mar, que lá não chegue
Teu sonoro rugido.
Roncari
(2002) ressalta a dificuldade aos estudos literários o motivo que autores
ovacionados a fim de dar-lhes sustento artístico, não obstante ele afirma que
“é que eles [os autores] realizam em alto grau as expectativas literárias de
sua época e, ao mesmo tempo, não se esgotam nela, mas as transcendem. Os dois
aspectos gerais que todas parecem combinar são estes: por um lado, tocam
profundamente no humano, naqueles aspectos do homem que ultrapassam e, ao mesmo tempo, contêm as
particularidades históricas do seu tempo; por outro, dominam e exploram ao máximo
as possibilidades da representação literária e da expressão verbal.” (RONCARI,
2002, p. 375). Gonçalves Dias foi capaz de ser um marco da expressão literária
nacional a ponto que artistas ulteriores quisessem manter alguma relação com
ele, seja de aproximação ou afastamento. Utilizando-se da própria tradição
europeia, Dias foi capaz de dar “uma nova representação dos ‘feitos’
portugueses no Brasil, só que a partir das suas consequências para o indígena e
de seu ponto de vista.” (Ibid., p. 378).
Referências
CANDIDO,
Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. v 2.
ROMERO,
Silvio. Fatores da literatura brasileira. In: História da literatura
brasileira. Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2001, p. 55-121.
RONCARI,
Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos
românticos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002, p. 287-315.
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