O navio negreiro de Castro Alves
Candido
(2000) nomeia Castro Alves como poeta humanitário por expor em suas palavras o
sentimento de justiça duma liberdade utópica comum a muitos intelectuais do
século XVIII, diante dum mundo em que invoca no ser humano a sedição do
homem
contra a sociedade, do oprimido contra o opressor – outra maneira de sentir o
conflito, caro aos românticos, entre bem e mal. A dialética da sua poesia
implica menos a visão do escravo (ou do oprimido em geral) como realidade
presente, do que como episódio de um drama mais amplo e abstrato: o do próprio
destino humano, em presa aos desajustamentos da história (CANDIDO, 2000, p.
241).
Consoante
Candido (2000) o eu lírico castroalvinista, num sabor assaz psicologicamente
consciente, é fruto do despudor com a realidade causadora dum mal-estar, tendo
Castro Alves acolhido empatia pelos escravos pretos de África, tendo como significado
a disputa eterna do bem contra o mal.
“O
navio negreiro” representa para Candido (2000) sua contribuição de maior fôlego
à literatura nacional, elevando o elemento africano a uma figura nobre a ponto
de ter sua realidade declamada na estética poética. As ideias abolicionistas
desse momento começaram a tecer eco em nossos escritores, sendo Castro Alves
como símbolo de transformação da narrativa sobre o preto degradado,
celebrando-o como peça heroica antes do cume do abolicionismo em nossa elite. Na
obra supracitada, Castro Alves dignifica o negro sustentando sua dor com as
agruras de sua dura realidade em nossa terra perfazendo traços visuais
potentes. Há a presença de versos que demonstram fugacidade, numa oratória
popular e brasileira, já mostrando a riqueza e diversidade de nossa cultura,
dando-lhe identidade própria. Alves assume ser um poeta romântico de peculiar
engajamento social para sua época.
Não podemos olvidar que José
de Alencar e Gonçalves Dias forjaram o mito do aborígene americano para além da
literatura em nossa nação. A gênese brasileira abastecida pelo traço do
primitivo americano foi vista com altivez de nossa diferente formação.
Candido
(2000) também observa do problema da integração do negro à sociedade
brasileira, e, obviamente, à literatura nacional. Escritores oitocentistas que
vieram após Castro Alves atenuavam os traços físicos e abstratos da matriz
africana à cultura brasileira como ocorre até os correntes dias. A miscigenação
foi usada como forma de afastamento do elemento negro de nossa realidade.
Perpetuou-se a ideia do embranquecimento do negro.
“Shape Slave” by William Turner
William
Turner em sua peça artística “Shape Slave” expõe as atrocidades do sistema
escravocrata. O episódio real de 1783 do genocídio de parte da população negra
doente arremessada ao oceano sob a ordem do líder de um navio. Essa decisão foi
tomada em face de que as perdas só seriam cobertas por aqueles perdidos ao mar.
O
trágico episódio é dimensionado pelo artista ao apresentar a embarcação
instável e parte dos corpos das vítimas dominados pela virulência da água, que
se mistura a cor vermelha, a qual aguça ainda mais a dor dos negros na
carnificina causada também por seres marinhos. Mister lembrar que os negros
africanos não tinham domínio de técnicas de navegação e não sabiam nadar.
A
beleza trazida ao centro por cores quentes – amarelo e laranja – entram em
contraste pelas cores escuras que estão relacionadas ao desespero dos escravos.
O navio, construção humana que significou liberdade e riqueza para alguns, para
outros representou dor e humilhação, aparece sob uma perspectiva longínqua e em
tamanho diminuto, sofre também a ação da água pintada sob as cores azul e
cinza. Na obra, inclusive o homem branco europeu sofre com a prática
escravocrata, como se fosse um castigo da própria natureza por sua ambição.
Outrossim,
em países europeus, como Inglaterra e França, a escravidão já estava decadente.
Nos anos 30 e 40 do século XVIII, essas nações trataram por abolir o tráfico de
escravos em suas colônias. A obra de Turner é data em 1840, duas décadas antes
da Guerra Civil nos Estados Unidos, em que um dos motivos para o bélico evento
foi a questão da escravidão.
Considerações finais
As
obras de Castro Alves e William Turner encontram-se na inspiração em observar o
escravo da África na América como um ser capaz de encantamento mesmo nas
distantes mãos brancas burguesas. A preocupação com a realidade social é
flagrante e estão em conformidade com as novas ideias do período de seus
fazimentos. A dor do elemento subserviente une-se a dor dos artistas.
Referências
GAGLIARDI, Caio. Pleno Mar – A Bordo
dos Navios de Castro Alves, Samuel Taylor Coleridge, J. M. William Turner e
Gustave Doré. Crítica &
Companhia: Caderno
Eletrônico, Campinas, dez. 2005. Disponível em:
http://www.criticaecompanhia.com.br/2Caio.htm.
Acesso em 11 de jan. de 2021.
CANDIDO,
Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000. v 2.
TURNER, Joseph Mallord William. Shape Slave. 1840.