quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

“Mundo tão desigual, tudo é tão desigual”

 

          Por muito tempo e até hoje ainda, sobrevive o discurso de que o Brasil é uma democracia racial, em que as diferenças étnicas são valorizadas e respeitadas. Gilberto Freyre acreditava nessa democracia em virtude de o português dispor-se a manter relações com as mulheres negras e indígenas.

          O racismo ao elemento negro – pela cor da pele ou pelo comportamento cultural - em nosso país marginaliza-o, pois o considera maléfico e inferior. Atenua-se a participação das matrizes africanas e indígenas para a formação da sociedade brasileira. A fim de legitimar a exploração dos elementos negros e indígenas por parte da elite nacional, buscou-se a apreensão do racismo científico, a miscigenação para o embranquecimento populacional e a apologia do mito da democracia racial.

          O momento colonial foi crucial para a criação de raças inferiores e superiores. Os viajantes naturais dessa época, com um olhar que julgavam científico, procuraram construir uma hierarquização de grupos humanos. Os brancos europeus estavam em posição superior aos demais povos, o mais apto a dominá-los. Em momento ulterior, no continente americano, a acumulação de recursos geradas pelas mãos negras foram transferidas aos imigrantes, mormente da Europa. No modo capitalista, o negro liberto foi deixado analfabeto e sem a habilidade profissional que o modo de produção capitalista exige.

O interesse em temas africanos no Brasil buscou focar em seus primórdios nas relações raciais aqui constituídas a fim de tecerem narrativas acerca da identidade nacional, caso de Nina Rodrigues, Silvio Romero e Gilberto Freyre. O médico Nina Rodrigues, por exemplo, defendia que a miscigenação apagaria o elemento inferior negro da sociedade brasileira no futuro.

Em meados dos anos 50, a questão racial prossegue de outra forma, rompendo com a visão da democracia racial, privilegiando o estudo sobre a desigualdade entre brancos e negros em nossa sociedade.

A redemocratização dos anos 80, em conluio com a descolonização europeia no continente africano e com o movimento negro estadunidense permitiu uma maior discussão no combate às desigualdades étnico-sociais no Brasil. Exemplo disso, é a atual Carta Magna de 1988.

Em 2003, criou-se a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial. Em 2010 foi sancionada o Estatuto da Igualdade Racial a fim de garantir a igualdade de oportunidades e o combate à discriminação à população negra.  Tais leis são importantes em face das tensões étnico-sociais existentes no Brasil.

          Dispositivos legais não são suficientes para atenuar o problema. O incremento de investimento na educação estatal, bem como ações afirmativas para o maior acesso da população negra são também importantes.

          A escola configura-se como um dos principais espaços para a formação de indivíduos a fim da convivência em sociedade. As relações étnico-sociais nesse espaço são questionadas, pois nele há o privilégio da cultura ocidental. A lei 10639/03 trouxe a obrigação do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, a fim de combater a presença da discriminação à população negra em face das relações de poder pretéritas buscando uma melhor equidade racial. Vale citar que tal medida visa a superação de preconceitos e a promoção de igualdade em direitos políticos, sociais e econômicos.

          As diretrizes do Ministério da Educação reforçam que os educandos tenham consciência da importância cultural da etnia a que pertencem, com o respeito a todos os grupos étnicos. Junta-se ao tema a importância da interdisciplinaridade com a necessária formação de docentes com formação adequada na abordagem do assunto. O revisitar contínuo do pretérito com ênfase à consciência coletiva alimenta a formação identitária de grupos sociais. Tudo isso em conjunto deve ser capaz de gerar novos conhecimentos.

          Os estudos acadêmicos mais recentes privilegiam em dar vozes a grupos politicamente minoritários, promovendo uma maior diversidade nas discussões. Constata-se que as organizações pátrias dão pouca importância a questão do racismo, por exemplo. Nas décadas finais do século passados, governos de países como Estados Unidos e Canadá preocuparam-se em intervir no mercado de trabalho, a fim de reduzir a discriminação contra minorias.

Apesar dos esforços, a compreensão sobre o continente africano ainda é incipiente, pois não é capaz de esmiuçar a conjectura complexa social, político, econômica e cultural desse lugar, em face, muitas vezes, do não uso de fontes primárias cunhadas por mãos africanas, com uma visão amiúde ocidentalizada da África.

Referências

 

HOLANDA et al. Brasil: uma democracia multiétnica? Cadernos de graduação – Ciências Humanas e Sociais Fits, Maceió, v. 1, n. 3, p. 39-45, nov. 2013.

GEVEHR, Daniel Luciano; ALVES, Darlã de. Educação para as relações étnico raciais: uma aproximação entre educação, cultura e desenvolvimento. Diálogos interdisciplinares, v. 9, n. 3, p. 21-38, 2020.

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