domingo, 13 de outubro de 2019

O lixo extraordinário


O documentário “lixo extraordinário” apresenta o trabalho do artista contemporâneo brasileiro Vik Muniz, radicado em Nova Iorque, junto a catadores de materiais recicláveis do maior aterro do mundo, Jardim Gramacho, situado em Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Tal depósito recebe setenta por cento do lixo da cidade do Rio de Janeiro e conta com aproximadamente dois mil e quinhentos catadores.
Alguns catadores são fotografados e dali é montado uma criação imagética com materiais recicláveis. Destacamos alguns deles.
No início, aparece seu Valter, vice-presidente da Associação dos Catadores de Jardim Gramacho (ACAMJG). Diz ter orgulho de seu trabalho, pois é melhor que roubar.
Suelem está no aterro desde os sete – no filme está com dezoito. Relata ter visto um bebê morto dentro do lixo. É fotografada por Muniz com suas duas crianças representando a imagem de uma santa. Diz ela que é melhor trabalhar como catadora que se prostituir.
Temos Sebastião – ou simplesmente Tião. É presidente da ACAMJG. Pega livros do lixo e cita autores como Maquiavel e Nietszche. Tira uma foto emulando um famoso quadro do francês Jacques Louis David – “a morte de Marat”. Muniz fez um quadro a partir dessa fotografia, que foi leiloada em Londres por vinte e oito mil libras.
O documentário faz-se atual devido a seus temas, como a vida de pessoas que sobrevivem do lixo e suas dificuldades de extrema penúria, a própria criação artística em si a partir desses materiais, e também os problemas ambientais causados pela da superprodução do lixo nas grandes cidades. Destarte, ele pode ser explorado com fins pedagógicos no ensino básico, bem como em diversos cursos superiores de diversas áreas.


Referências

LIXO Extraordinário. Direção: Lucy Walker, João Jardim, Karen Harley. Produção: Alex Moreno, Angus Aynsley, Fernando Meirelles, Jackie De Botton, Andrea Barata Ribeiro, Emilia Mello, Hank Levine, Miel de Botton, Peter Martin. Almega Projects; O2 filmes. 1 DVD (99 min), son., color.

Introdução à antropologia por Ashley Montagu


Indicação bibliográfica
MONTAGU, Ashley. Apresentando a antropologia. In: Introdução à antropologia. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1969.

O homem e a cultura

            O ser humano tem necessidades básicas inatas para sua sobrevivência. As satisfações delas originam a cultura, na qual mostra como o homem adaptou-se ao mundo, servindo-se de interação mútua entre indivíduo e sociedade.
            Como salienta Ashley Montagu (1969, p. 131), a cultura precisa ser inventada, ser transmitida de uma geração a outra e precisa ser perpetuada de alguma forma. O inglês, às folhas 131, define cultura como sendo “o complexo de configurações mentais que, em forma de produtos do comportamento e produtos materiais, constitui o modo principal que tem o homem de adaptar-se ao meio total, controlando-o, mudando-o, e transmitindo e perpetuando os modos acumulados de fazê-lo.”
            Com a peculiaridade intrínseca da aprendizagem, deu-se ao homem a possibilidade da mudança evolutiva social baseada na parte adquirida através de costumes, instrumentos, lembranças e outras formas não genéticas. A herança social representa a cultura ao indivíduo.




A influência da cultura na Antropologia

            O vocábulo “Antropologia” é derivado de duas palavras de origem grega, “anthropos”, “homem”, e “logos”, “conhecimento ordenado”. Sendo assim, Antropologia é o conhecimento ordenado do homem. Essa ciência divide-se em Antropologia cultural e Antropologia física.
            Ashley Montagu assinala (1969, p. 14) que cultura é “tudo o que um determinado grupo de pessoas, que vivem juntas como uma população em funcionamento aprendeu a fazer como seres humanos, o seu modo de vida”. O antropólogo atém-se as diversas culturas e as separa para descobrir como foi que os seres humanos conseguiram fazer de tantas maneiras diversas. Ele vai atrás dos elementos comuns a todas as culturas, tentando descobrir as causas das diferenças. Antropólogos culturais podem se interessar por certos aspectos, como religião, língua, instituições legais, organizações sociais por exemplo.
            O antropólogo cultural quase sempre estuda os ditos povos primitivos ou povos pré-letrados que possuem menor desenvolvimento tecnológico, mas que podem ter língua, sistemas de parentesco e outras características tão desenvolvidas quanto os povos civilizados, ao menos. Há os antropólogos dito aplicados que estudam relações entre indivíduos em empresas, governo, hospitais.
            Um ramo de destaque é o da Arqueologia a qual lida com culturas de povos que não mais existem, em que através de recuperações por meio de escavações, há o exame de produtos culturais e de subsistência, os quais refletem o comportamento desses membros antepassados, permitindo a reconstrução de seu sistema social.

domingo, 7 de julho de 2019

Breve confronto entre futuristas: Marinetti contra Volt


O Futurismo dirigiu-se à Itália e rejeitava forças que se oporiam à modernização dessa nação. Itália contra si mesma. A relação com o elemento máquina é ressaltado, atendo-se desde as funções das engrenagens indo até questionamentos sobre o novo mundo industrial que estava se instaurando. A máquina também é capaz de interagir com os seres animais e humanos. Outrossim, ela potencializa a capacidade humana.

Gostaria de ater-me ao tópico de número 9 disposto no Manifesto: “Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as belas ideias que matam e o menosprezo à mulher.” (TELES, 2009, p. 115).
A estética futurista também adentrou no mundo da moda, pois os artistas sabiam que ela podia ser usada para estimular a percepção e o vitalismo deste novo cenário urbano; desta forma, pensaram-na como uma interação entre movimento e roupa nos seus aspectos mutáveis e dinâmicos, enfim, uma roupa criada para as ruas das grandes cidades europeias. (BORTULUCCE, 2011, p. 22).
Temos o Manifesto Futurista da Moda Feminina, de Vincenzo Fani, conhecido por Volt, de 1920. O espaço da moda expressa criatividade e dinamismo. A moda futurista deve ser prática, eficiente e funcional. Volt, em seu Manifesto, diz que a moda também é arte. À mulher cabe valentia para fazer uso da roupa futurista, a fim de mostrar a graciosidade das formas de seu corpo. A percepção militarista e tecnológica aparece no escrito dele da seguinte forma: “Teremos assim a mulher metralhadora, a mulher thanks-de-somme, a mulher antena-rádio-telegráfica, a mulher aeronave, a mulher submarino, a mulher lancha.” (Ibidem, p. 34, grifo do autor).
Ressalto que a vestimenta possui a propriedade de mostrar-nos nossa individualidade aos outros, fortificando nossa personalidade. O texto de Volt busca valorizar a figura feminina ao contrário de Marinetti, que possui ojeriza para com ela.
 Referências
BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. O Manifesto Futurista da Moda Feminina. Iara –  Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo, v. 4., n. 2, dez. 2011. Disponível: http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistaiara/wp-content/uploads/2015/01/03_IARA_vol4_n2_Dossie.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

O (DES)PODER DA PALAVRA


“Palavra” possui energia vibratória capaz também de atingir o subconsciente do Homem, governando seus atos.
“Ideias são ações”, disse um líder político certa vez; palavras também as são.
As Leis são palavras em forma escrita daquilo que foi discutido e tramado pelas autoridades políticas. O uso adequado delas concorrem para dar um estilo elevado a uma nação.

UMA HERANÇA CLÁSSICA

A literatura clássica continua interessando a nós do século XXI. Ela continua viva, pois tem o seu mérito intrínseco de grandiosidade e forneceu de base a todas as formas narrativas ulteriores. A eminência dos poemas de Homero representa o amálgama da narrativa oral com a forma escrita, não faz distinção entre mito e história, por isso, deu-nos de forma instintiva, sofisticada e proposital, o fluxo narrativo do romance. Desde que sua narrativa forjou personagens, lugares, acontecimentos históricos visto que se baseou em formas mitológicas. Homero e Xenófanes confrontar-se-iam. Sempre que temos acesso à literatura europeia dos séculos XVII e XVIII, recorremos à literatura peculiarmente helênica. À medida que avaliamos mais essa narrativa, nós damos mais valor também a Heródoto e a Tucídides. A literatura grega deve ser sempre (re)visitada. Heródoto e Tucídides, pois este escrevia sobre eventos contemporâneos e aquele, acerca do passado recente; o primeiro focava numa narrativa oral, e o segundo não aspirava ao agrado imediato, apesar de que o “pai da História” e de que Tucídides não foram ultrapassados por nenhum outro historiador clássico. Embora o empirista Thomas Hobbes no século XVII traduzisse a “Guerra do Peloponeso”, Tucídides apresenta elementos não empíricos, porque traz-nos, em tal obra, situações ficcionais e diálogos dramáticos, sem esquecer-se de Ésquilo e narração mítica, princípios de retórica e, portanto, foi imitado pelos latinos. Os romanos e sua escrita história, a fim de salientar os atos de Roma e de levá-los ao conhecimento dos seus descendentes, pois, a menos que enxergavam a narrativa histórica como um todo e tinham como fundo uma forma patriótica, crescendo e desenvolvendo em torno de Roma. Não só Aristóteles, como também Xenófanes e Tito Lívio, pensaram acerca das diferenças entre poesia e história, pois havia percepções distintas acerca de tal tema e propósito, pensando na vida comportamental e institucional da pólis-urbe, ainda que sempre em dívida com a verdade e a arte.

domingo, 23 de junho de 2019

ESF, a estratégia


Andrade, Barreto e Bezerra (2006, p. 804, grifo do autor) assinalam que a Estratégia Saúde da Família (ESF) é
um modelo de atenção primária, operacionalizado mediante estratégias∕ações preventivas, promocionais, de recuperação, reabilitação e cuidados paliativos das equipes de saúde da família, comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focado na unidade familiar e consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade em que está inserido.
Os autores ainda afirmam que cada equipe atende cerca de 800 famílias (3500 pessoas, aproximadamente). Em 1994, surgiu a ESF que, após 11 anos, chegaram a ter mais de 24.000 equipes, atendendo noventa por cento do território nacional.
O Ministério da Saúde, em seu sítio, diz que a ESF tem como objetivo “promover a qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que colocam a saúde em risco, como falta de atividade física, má alimentação e o uso de tabaco”.
A equipe é formada por um médico generalista, um odontólogo, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde, sendo eles responsáveis pela cobertura de aproximadamente oitocentas famílias.
De forma mui sintética, as atividades básicas duma equipe de ESF são:
·         Conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis e identificar os problemas de saúde mais comuns e situações de risco;
·         Executar os procedimentos de vigilância à saúde e de vigilância epidemiológica;
·         Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações formais e informais existentes na comunidade para o enfrentamento conjunto dos problemas;
·         Discutir, de forma permanente, junto à equipe e à comunidade, o conceito de cidadania, enfatizando os direitos de saúde e as bases legais que os legitimam;
·         Incentivar a formação e participação ativa nos conselhos locais de saúde e no Conselho Municipal de Saúde.

À saúde, o território está voltado além do físico: relaciona-se ao trabalho. Territorialização é habitar um território. Para tal, mister é conhecer as condições culturais, epidemiológicas, socioeconômicas e demográficas das famílias que o habitam. Destarte, descobrem-se as necessidades da população adscrita, escrevem Lacerda et al (2013). A territorialização articula-se com o Planejamento Estratégico Situacional, proposto por Carlos Matus, constituindo como suporte para a Vigilância em Saúde, envolvendo gestão do sistema, alocação de recursos e articulação de bases de oferta de serviços.
O vínculo utiliza-se fundamentalmente da visita domiciliar (VD), possibilitando a equipe conhecer o contexto, a inserção das famílias na sua comunidade e suas condições de vida, assinalam Santos e Morais (2011, p. 493-4). Os agentes comunitários de saúde é que realizam a VD com maior frequência. O planejamento de ações tomadas na VD fica a cargo do enfermeiro. Na prática, as visitas são direcionadas a usuários portadores de doenças crônicas, como diabete mellitus e hipertensão arterial, ou seja, mais para ações curativas do que a ações de prevenção de doenças e promoção de saúde.
O Programa de Agentes Comunitários de Saúde possui início na década de oitenta a fim de melhorar as condições de saúde de algumas áreas do Nordeste, em que uma nova categoria de trabalhadores era formada pela e para a comunidade. O Agente Comunitário de Saúde (ACS), por ser membro da comunidade e da equipe de saúde da ESF, permite a criação de vínculos de forma mais rápida e fácil. O ACS possui atribuições específicas como:
·         Trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a microárea;
·         Orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis;
·         Acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade. As visitas deverão ser programadas em conjunto com a equipe, considerando os critérios de risco e vulnerabilidade de modo que famílias com maior necessidade sejam visitadas mais vezes, mantendo como referência a média de uma visita/família/mês.

Bertolt Brecht e o poema “Perguntas de um trabalhar que lê”: análise, alienação e ideologia




Compreender a História
A explicação de fatos da realidade exige uma compreensão do passado. Para o historiador Marc Bloch, só há real conhecimento do fato histórico quando se busca compreender as relações entre os homens, suas ações e suas significações.
No século XIX, surgiu uma corrente chamada “Nova História”, a qual defendeu a relevância de todos os atos humanos, com possibilidade de serem inseridos no processo histórico. Esta visão renega a visão tradicional e ainda dominante do entendimento acerca do que é História.
O escrito brechtiano faz-nos refletir acerca da função social duma obra escrita, estabelecendo relações entre História e Literatura, sem se esquecer do contexto histórico-social em que ela foi elaborada.
Tendo como origem o poema pode-se pensar numa forma de abordagem do ensino da História, ampliando os estudos literários, situando os receptores da proposta no presente.
Não podemos esquecer-nos que a História é tecida pela tradição oral, os costumes, os objetos e outros sinais que significam experiências humanas. Grupos sociais distantes das pesquisas historiográficas têm sido aproximados além do mundo acadêmico. O cotidiano tem ganhado destaque mergulhado num processo de transformações urbanas, produtivas e tecnológicas. Focaliza-se, sob esse aspecto, a diversidade de atuações de vozes com valores também históricos, não atentos apenas às grandes narrativas.
Ademais, o historiador encontra-se diante de um fato antepassado, muitas vezes de informações escassas e fragmentadas. A narrativa de um fato pode ser vista por vários pontos de vista, dependendo das fontes de que dispõe o historiador, da seleção feita, do enfoque que se deseja dar (político, cultural, econômico, por exemplo), das perguntas que o pesquisador fará a elas. Cabe a ele também participar da reconstrução da memória, exigindo-lhe uma crítica parcimoniosa.
Baseando-se na ótica marxista, o conteúdo histórico transmitido na sala de aula reproduz o discurso duma burguesia europeia, a fim de conquistar e manter seu poder. As experiências vividas dos seres subalternos às elites são preteridas.
A História instaura uma reflexão acerca do pensamento sobre o indivíduo, permitindo-lhe perceber como ser condicionador por estruturas existentes e também como agentes de transformação social.
Literatura/História
O texto ficcional possui também a força de relatar as reflexões emitidas em momentos pretéritos, em que o leitor recupera imagens, muitas vezes inverossímeis, mas capaz de ler acontecimentos constitutivos de uma realidade alimentadora da arte literária. O historiador, bem como um escritor, também inventa acontecimentos a seu modo.
O crítico Benedito Nunes reflete sobre literatura numa perspectiva histórica, atendo-se ao aspecto temporal, tanto para o acontecimento quanto para seu relato, da seguinte forma:
 [...] narrar é contar uma história, e contar uma história é desenrolar a experiência humana do tempo. A narrativa ficcional pode fazê-lo alterando o tempo cronológico por intermédio das variações imaginativas que a estrutura auto-reflexiva de seu discurso lhe possibilita, dada a diferença entre o plano do enunciado e o plano da enunciação. A narrativa histórica desenrola-o por força da mímeses, em que implica a elaboração do tempo histórico, ligando o tempo natural ao cronológico. (NUNES, Benedito. 1988, p. 9-35)
Antonio Candido, em “Literatura e sociedade”, de 1967, atém-se à influência do meio social sobre a obra artística. As manifestações literárias encontram-se vinculadas ao contexto histórico da época em que é produzida. Não existe literatura sem história.
O escrito expõe a questão da alienação e da ideologia presente no processo de produção do conhecimento.
O autor acredita que um trabalhador que lê logra êxito ao indagar a realidade em que está inserido. “Ler” é conseguir interpretar o sentido dessa realidade. A alienação, no parâmetro marxista, é comum em sociedades divididas em classes, em que o fetiche pela mercadoria, dificulta ainda mais a compreensão ao trabalhador de que seu trabalho é a fonte de riqueza dessa sociedade baseada na circulação de mercadorias.
No livro “A ideologia alemã”, Marx e Engels assinalam que a ideologia é instrumento de dominação, ao mascararem a luta de classes através de valores, doutrinas e ensinamentos, a fim de que a classe submissa tenha suas ações obstruídas pela coerção física e pela interiorização de valores que parecem comum a toda sociedade, mas que só dizem respeito aos interesses da classe dominante.
Mister é saber quem participa da produção de fato, e ela é originada por uma força coletiva, transformada em propriedade privada. Essa ideologia é contraditória.
Na análise marxista da História são sujeitos reunidos em coletividades que a transformam. Líderes apenas expressam as aspirações de tais grupos, organizando suas ações. Para mudar a realidade, faz-se necessário ler seu significado e sentido, atuando de forma real no campo intelectual, tendo em vista que ações individuais questionadoras passem ser organizadas de modo grupal, expressando uma classe social.
A forma de Brecht tinha um institucional educativo a fim de suscitar uma espécie de consciência de classe entre os trabalhadores. Para o crítico alemão Jan Knopf, Brecht acreditava que somente os operários poderiam promover as mudanças sociais para uma sociedade igualitária. Para tal, os trabalhadores devem entender criticamente o mundo que querem modificar.
Uma crítica
O poema “Perguntas de um trabalhador que lê”, de 1935, assinala a que história oficial é unilateral (só mostra um lado do fato), e despreza as lutas sociais empreendidas pelas classes populares. O poeta ocupa um lugar de destaque na cultura ocidental. A forma poética é elaborada de forma simples, com mensagens claras, de fácil compreensão. O eu-lírico resgata o mundo da Babilônia, os valores clássicos e o conteúdo bíblico. Pelo poema, os grandes acontecimentos históricos apresentados de modo unilateral são apresentados de forma contínua geram questionamentos, a fim de convencer seu interlocutor. No texto formula-se uma crítica negativa à historiografia de cunho elitista.
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
De pronto, o autor insinua que a ideologia, no sentido marxista da palavra, valoriza os detentores dos meios de produção, não obstante que nada ou pouco fazem. Aqueles que trabalham ficam com nada ou pouco de seu trabalho, pois esse produto é apropriado pelos seres da classe dominante. Tebas ficou marcada por ser uma cidade-estado aliada à Esparta. Era um local cercado por altas montanhas e que poderia ser defendida de forma antecipada. Está situada ao noroeste de Atenas. Cadmo, fundador, da cidade, tinha dois filhos: Anfion, músico e possuidor das sete cordas do deus Apolo, e Zetus, forte e capaz de carregar blocos de pedras para erguer novas colunas. Mitologicamente, Anfion tocava seu instrumento a fim de que as pedras o obedecesse na edificação das tais setes portas que seriam em homenagem a Apolo e a música.
Em que casas da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
Para construir a famosa Muralha da China acredita-se que foi empregada a força anônima de aproximadamente um milhão de pessoas, sendo que mais de duzentas mil pessoas morreram. Localizada ao norte, foi construída com focos militar e aduaneiro. Na verdade, compõe de diversas muralhas edificadas com diferentes materiais, como pedra, tijolo e madeira, durante várias dinastias na China Imperial.
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tantas vezes?
A civilização da Babilônia foi existente do século XVIII ao VI a.C. Cidade da antiga Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. Hoje, situa-se nessa área o atual Iraque. Lá, o rei Hamurabi teceu seu famoso Código. Palco de disputa por vários povos antigos, foi várias vezes reconstruída. Para a mitologia, lá existiram os Jardins Suspensos e a Torre de Babel.
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo:
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
Em Roma há vários arcos triunfais. A construção deles teve início na República para destacar a vitória dos Generais. Destaca-se o de Constantino (315), edificado para comemorar a vitória desse Imperador sobre o usurpador Maxêncio, em 312. Esse reutilizou diversas esculturas provenientes de outros monumentos imperiais.
A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Cidade da Grécia Antiga, foi fundada em 658 a.C. tendo recebido esse nome para homenagear seu monarca Bizas. Tornou-se a capital da parte oriental do Império Romano. Denominada Constantinopla na Idade Média, foi conquistada pelos turcos em 1453. Situa-se no cruzamento entre os continentes Europeu e Asiático, permitindo o controle de rotas e da passagem entre os mares Negro e Mediterrâneo. Lá situa-se a Basílica de Santa Sofia, eminente obra arquitetônica. Desde 1930, chama-se Istambul.
Filipe da Espanha chorou,
quando sua Armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
No excerto acima, o autor nega o culto ao individualismo, promotor do dom do indivíduo. Os náufragos, seus familiares e o povo de Espanha também comoveram-se com o evento, mas somente a narrativa real é trazida à luz.
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
Ao fim, Brecht quer provocar as perguntas do operário, através de formas coloquiais.
Pelo texto, há uma série de encavalgamentos que ligam o essencial entre os diversos acontecimentos: a edificação da Muralha, dos arcos e dos palácios é vista como tendo sido feita pelos mesmos heróis anônimos.
A máquina humana trabalhadora constrói, cria e sofre, como uma “persona” de teatro. Ambos ficam por trás de suas feituras, como numa elaboração teatral.  Na obra artística, o ator/dramaturgo é visto como pessoa, lembrado por suas atuações. Já para os relatos da História tradicional, reis e empresários são mostrados como seres de grandes feitos, mas os trabalhadores, heróis e anônimos, ficam esquecidos. Será justo isso?