sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Pós-modernidade líquida

                 

                Bauman entende que a pós-modernidade inclui a publicidade de aspectos particulares da vida individual em sociedade. A intimidade e a privacidade tornaram-se públicas. Podemos ver isso, nas redes sociais e na própria televisão, com a apresentação de programas de telerrealidade, como o “Big Brother”.

               Isso ocorre em virtude da constante efemeridade das relações humanas e a suscitação de um individualismo jamais visto na História.

       “Tudo o que é sólido, desmancha no ar”, frase que serve para entender melhor a contemporaneidade, e que é remetida ao “Manifesto Comunista” de Marx e Engels, bem como ao título de um livro do filósofo Marshall Berman – o qual se atém para compreender a modernidade. A sentença serve como alusão também para explicar o pensamento de Bauman, com sua modernidade líquida.

            Um dos aspectos mais importantes da modernidade é o contínuo refazer, com a intensa fabricação de produtos em série e de poderem ser constantemente remodelados a fim de satisfazer interesses econômicos, por exemplo, graças ao desenvolvimento tecnológico.  A constante volatilidade interfere também nas próprias relações humanas. A estabilidade das relações humanas dá lugar à volúpia da liberdade individual, em que as pessoas podem agir conforme seus desejos. Para Bauman, não obstante, essa liberdade não é capaz de satisfazer esse ser humano “emancipado” em virtude de ter que arcar com as consequências de suas escolhas, além do sentimento de angústia causado pela dúvida do devir. O ser humano tornou-se um ser frustrado em sua existência.

            Para Bauman, a liberdade individual na contemporaneidade decorre da importância de consumo de produtos tangíveis e intangíveis que nos causem prazer, como o reconhecimento social. O intenso consumo acarreta o intenso descarte daquilo que é considerado antiquado e senil. As relações humanas adquirem características desse consumo de tais produtos. Os vínculos entre os seres humanos são de alta volatilidade e inseguras. Esse aspecto faz as pessoas tornarem-se cada vez mais isoladas e adeptas ao consumo de drogas antidepressivas, por exemplo.

               O intenso medo das pessoas com essa instabilidade tornam o viver coletivo cada vez mais inseguro. A incerteza nas questões de identidade e de justiça são sinais desse tempo. Conectar e desconectar acabam sendo a regra.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Elias e Bourdieu e seu “habitus”

 

          O “habitus” de Elias

          Para Norbert Elias o “habitus” configura-se como a apreensão de valores de um grupo social por parte de um indivíduo que vive neste grupo. O “habitus” perdura no tempo histórico conforme seu poder de arraigamento num grupo. O comportamento individual ocorre em consequências de relações pretéritas ou atuais.

          Elias sustenta que mesmo em situações que o indivíduo toma ações por iniciativa própria, assim o faz porque estas estão já inseridas na coletividade. A identidade individual só se faz presente numa identidade coletiva.

          O “habitus” pode sofrer modificações pois os indivíduos dentro da coletividade interagem-se entre si. A possibilidade de aceitação em apreender o pensamento coletivo por um indivíduo aumenta em demasia quando ele sente-se de alguma forma coagido, como pela propaganda ou por algum tipo de milícia. Para Elias, o “habitus” social pode ser algo tão forte que faz com que indivíduos acabem por aceitá-lo sem pestanejar por serem absolutamente naturais, não obstante, para Elias, são criados pelos próprios humanos o mais das vezes.

          Belém e Andrade destacam que o “habitus” social foi disseminador da ideologia nazista na Alemanha dos anos 20 e 30 em virtude do sentimento de humilhação entre os alemães, fazendo-os unirem-se com um ideário revanchista coletivo. O papel do Estado foi crucial para lograr êxito à fidelidade de concidadãos à essa ideologia política, oportunidade em que se utilizou peças publicitárias e a repressão física para estabelecer ainda mais o medo coletivo.

          Mister observar que a explicação de Elias serve também de explicação para a transmissão de ideologias religiosas, morais, políticas etc. Por exemplo, um patrão que busca criar o perigo de demissão para os empregados de sua empresa se os mesmos aderirem a sindicatos; ou de um professor que se utiliza de várias estratégias para convencer seus alunos a adotarem sua crença político-ideológica, utilizando-se de sua autoridade para achacar discentes que, por algum motivo, fazem-se resistentes a tal ideologia política, inclusive através de medidas de algum tipo de abuso psicossocial em conluio a demais alunos a ele condescendente.

          De ascendência judaica foi um dos perseguidos pelo regime nacional-socialista na Alemanha.

O hábito de “Bourdieu”

          Pierre Bourdieu interessou-se pelo “habitus” ao relacionar o pensamento escolástico e a arte gótica do historiador de arte alemão Erwin Panofsky. Para Bourdieu, o “habitus” perfaz-se na cultura (sistema de esquemas consciente e inconsciente internalizados aplicados a situações particulares). Ele buscou compreender o comportamento dos agentes e os condicionamentos coletivos de existência.

          Bourdieu leciona que o mundo social é objeto de uma relação oriunda da experiência familiar (fenomenológica), uma ruptura ulterior a esse conhecimento primário e familiar, constituindo-se em práticas econômicas e linguísticas (objetivista), e o terceiro (praxiológico), constituído pelo objetivista com as capacidades de exteriorizar a interioridade e interiorizar a exterioridade.

          As ações cotidianas do agir são impostas por disposições estruturadas socialmente e estruturantes nas mentes dos indivíduos, perfazendo-se na relação dum “habitus” e as pressões existentes numa conjectura, existentes num determinado momento histórico.

          A memória que habita no “habitus” é de característica volúvel e sempre aberto para experiências inovadoras, consoante Bourdieu. Graças a essa capacidade contínua de transformação que ocorre a adaptabilidade às diversas situações práticas.

          Os “habitus” dos indivíduos são interdependentes para a feitura de momentos pretéritos, a trajetória atual e o devir ulterior, existentes ao acaso e, muitas vezes, incoerentes, constituindo-se de esquemas mistos acionados diante de uma realidade exigida.


 

Comparação

          Basicamente Elias e Bourdieu debruçam-se sobre o mesmo objeto, “habitus”, mas cada um de sua maneira. Ambos dão importância a episódios dispostos no decorrer do tempo.

          Bourdieu relaciona o “habitus” ao futuro, diferente de Elias. O primeiro também cria sobre os modos de conhecimento teórico (fenomenológico, objetivista, praxiológico). Parece-nos que o pensamento de Bourdieu é mais complexo.


 

Referências

 

BELÉM, Letícia Christina Costa; ANDRADE, Mariana Dionisio. Norbert Elias e a sociedade dos indivíduos: o habitus que disseminou o nazismo. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNI7, 7. Anais..., 2018. Disponível em: https://periodicos.uni7.edu.br/index.php/iniciacao-cientifica/article/view/615. Acesso em: 24 nov. 2020.

SELTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, n. 20, Rio de Janeiro, mai./ago. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782002000200005. Acesso em: 24 nov. 2020.